quinta-feira, 22 de março de 2012

Maestro Alcides Lisboa - Membro da Academia de Cultura da Bahia



Alcides Lisboa - Regente e Pianista. Iniciou seus estudos clássicos com a profª. Lourdes Szabó, mais tarde graduou-se em piano pela Universidade Católica de Salvador. Neste período estudou também composição na UFBA, com Lindembergue Cardoso e Agnaldo Ribeiro. Em 85 e 86 ganhou bolsa de estudos, pela Fundação José Carvalho, para Kennesaw State University, Georgia – EUA. Lá estudou piano com David Watkins, composição com Steven Everett e JAZZ com Jerry King. Nos Estados Unidos tocou Villa-Lobos em Washington (Conservatório Levine) e Atlanta (Skyland Hall) concluindo o extenso roteiro artístico do programa.

Em 1993 foi aprovado para bolsa de estudos no Conservatório da Universidade Johannes Gutemberg em Mainz na Alemanha, onde cursou regência com o maestro Joshard Daus, piano com a pianista Poldi Mildner e Metodologia de Meninos Cantores com o prof. Mathias Breitschaft permanecendo até o ano de 1994, quando também se apresentou em Colônia, Mainz, Munique, Bremen e Stuttgart. Alcides Lisboa se apresentou na Argentina como regente no Festival Cantapueblo 2008, foi organista da capela de Vengen na Suíça, na Missa solene de Natal de 1993, e ministrou Master Class “O Piano Popular do Brasil”, na Universidade Lund na Suécia em março de 1999. No FESTIVAL BACH de 1999, em Stuttgart – Alemanha, foi um dos regentes selecionados, dentre candidatos de diversos países, para a regência de quatro cantatas de Johann Sebastian Bach, sob a orientação de Helmuth Rilling - famoso especialista na obra do Mestre de Leipzig.

Em dezembro de 1999 foi condecorado pela marinha do Brasil pelos serviços culturais e artísticos prestados à sociedade baiana e à marinha brasileira. Atualmente Alcides Lisboa exerce intensa atividade como maestro, pianista e arranjador.


O silêncio é a ausência de discurso sonoro ou é aquilo que não foi dito?

Poucas pessoas já tiveram a oportunidade de “ouvir” o silêncio absoluto. O silêncio que comumente conseguimos à noite ou em salas fechadas é, na realidade, repleto de ruídos e sonoridades sub-harmônicas.

Já tive a oportunidade de sentir a pungência do silêncio absoluto no fundo de uma mina de cobre, a 550m abaixo do nível do mar. Chega a ser assustador! Os ouvidos zumbem à procura de um referencial qualquer, sem encontrar nada que o ampare. A sensação de vazio é total. Deve ser assim também no espaço exterior.
Agora, voltando ao nosso velho, incompleto e comum silêncio cotidiano, vamos falar do seu papel no contexto musical.

É incrível a importância que ele exerce na música, do lado de lá e de cá da platéia. O que, a priori, parece ser a negação da música é na verdade um de seus grandes recursos.
Aquele instante em que o maestro ergue a mão, pedindo atenção e preparando a sonoridade inicial, deixa qualquer um de respiração presa! Naquele momento o silêncio pesa tanto quanto um fortíssimo orquestral.

Da mesma forma, no término da obra quando o maestro, em um gesto espiralado, corta a sonoridade e mantém a mão no ar alguns instantes. É um momento de pura musicalidade, onde o silencio emoldura e valoriza a música!

Compositores de todos os estilos e gêneros usaram, muitas vezes de forma genial, o silêncio. Uma pausa geral, por exemplo, no meio de uma obra para grande coro e orquestra tem um efeito de expectativa e interrogação estarrecedor.

Beethoven, Mozart, Debussy e Villa-Lobos, dentre muitos grandes compositores, fizeram o uso inteligente da pausa. Também na música de Jazz se faz um uso brilhante do silêncio (Miles Davis esperava até o último instante para intervir, da maneira genial que a história registrou, deixando a audiência de fôlego suspenso).

O silêncio também pode ter musicalmente um caráter meditativo e reflexivo. No final de um movimento o compositor, através do maestro, nos oferece instantes de silêncio para assimilação e reflexão do abstrato e subjetivo discurso musical.

É como se a obra musical dissesse naquele instante de silêncio: “Eis os afetos e emoções que eu precisava dizer neste capítulo, reflita um pouco para podermos prosseguir!”
Talvez, quem sabe, alguém divida comigo o conceito de que o silêncio não é o nada se manifestando, mas sim aquilo que não foi dito pelo cosmos!

Muita música para todos!
Alcides Lisboa

Alinne Rosa, do Cheiro de Amor, trocou o axé pela música clássica na noite dequarta-feira (19/10/11). A cantora se apresentou ao lado do Maestro Alcides Lisboa e da Orquestra Sinfônica da Bahia durante um concerto no Teatro Castro Alves, em Salvador. Participaram também da noite especial o guitarrista Armandinho e o coral do colégio Anchieta.



Reflexão
... “De uma classe especial de música dá gosto ver a eficácia social que desenvolve: a coral. Esses rapazes e moças que depois do horário no banco, na escola, na oficina, se reúnem para honrar o nobre emprego da voz acima das funções primárias de comunicação, me deixam confiante no ser humano. Dão ao tempo disponível um uso que exclui o mero lazer individual. Abrem mão da vaidade do sucesso pessoal em proveito de um resultado coletivo que despersonaliza o esforço de cada um. O próprio vestuário com que se apresentam em público tem o sentido de anulação de particularidade. Na orquestra sinfônica, o traje comum dos executantes tem a diferenciá-los a variedade dos instrumentos que manejam. Mesmo nos naipes dos violinos, por exemplo, a diferenciação não desaparece de todo, em seus setores. No coral, todos os componentes são um só, e se a determinado elemento se confia à tarefa de solar, essa é uma aparição limitada, que se destaca e logo se absorve na massa indistinta. O coral é modesto por excelência”...
Carlos Drummond de Andrade
Da crônica “DE MÚSICA E DE PRÊMIOS”


www.balcaodomusico.com.br/profile/AlcidesLisboa


A Academia de Cultura da Bahia realizou nesta sexta-feira, dia 17 de dezembro de 2010, a solenidade de posse do Maestro Alcides Lisboa. A cerimônia foi realizada na Capela do Colégio Dois de Julho - Garcia.
Maestro_Alcides_Divulgao


O Maestro Alcides Lisboa é paulista, radicado na Bahia desde 1975 e formado pela Universidade Católica do Salvador, especializou-se na Geórgia University e Johannes Gutenberg Universutät. Já regeu concertos no Brasil, Argentina, Estados Unidos, Suécia, Alemanha e Suíça. Atualmente Alcides Lisboa exerce intensa atividade como maestro, pianista e arranjador dos Corais dos Colégios Anchieta e São Paulo.






terça-feira, 20 de março de 2012

ÉLON BRASIL - nas telas, povos da floresta



Nas telas, povos da floresta

Conviver com índios, com tribos africanas e com os encantamentos do candomblé, acrescentou ao artista plástico Élon Brasil uma sabedoria intrínseca para eternizar, em suas telas, hábitos, situações e emoções que caracterizam cada uma dessas culturas.

MARIA LUIZA BRANDALIZE

Diante de uma tela de Élon Brasil é fácil entender sua fascinação pelo nosso índio. A beleza é evidente. E englobam a obra e seus personagens, seus objetos. Pesquisar a majestade do homem primitivo é uma experiência que esse artista autodidata iniciou em 1980, quando conheceu os primeiros Xavantes, em Goiás.
Fascinado por sua pureza e espiritualidade, oito anos depois passou a retratá-los, o que levou o francês Alain Veille, enólogo e colecionador de obras de arte, a procurá-lo. Esse encontro significou a venda de algumas telas que cruzaram mares e o convite para representar o Brasil, no ano 2000, na França, em uma exposição de trabalhos voltados a assuntos indígenas. 

Nada mais justo.  E em torno dessa temática que o disciplinado pintor trabalha cerca de 17 horas seguidas, entre dia-sai-dia, para produzir de sete a oito telas por mês. Usa tinta à óleo sobre lona previamente preparada com relevos, pelo irmão em seu atelier.

ARTE ANUNCIADA – Em 1957, na praia de Jurujuba, Niterói, nascia mais uma criança na casa de Milton Brasil, descendente de europeus. Era o quarto bebê, mas a mãe, baiana de Itapuã, neta de índio com negro, ainda teria mais sete. O pai também artista plástico de cavalete e pincel  levou o garotinho para as artes. Incentivado, tanto em casa como na escola, Élon, aos seis anos, já caprichava no uso do crayon. Quando a família mudou-se para São Paulo, o menino, com oito anos, tornou-se um dos pioneiros ambulantes da antiga feira da República, e já vendia seus quadros, que retratavam ao lado urbano e social do brasileiro.  As favelas da cidade grande, a fome dos carentes. A primeira medalha com direito ao prêmio de aquisição foi conquistada pelo adolescente aos 12 anos na II Pinarte de Pinheiros, em 1971, com o óleo sobre tela Seca do Nordeste.
Depois de viajar por temas místicos e na simbologia esotérica, voltou-se para o índio, quando visitou os Xavantes. Daí partiu para Salvador à procura de suas origens maternas. Inspirou-se no pelourinho baiano, pintou a religiosidade afro-brasileira e os orixás. A partir daí adotou o negro e o índio como temas e entregou-se, prazerosamente, a pesquisar seus encantamentos.

NA TABA E NA ÁFRICA – convivendo dois com os Tucanos, a 250 km de Manaus, comeu carne de macaco para sobreviver, dormiu em rede, pescou, construiu canoas, plantou, colheu, aprendeu os segredos do cipó “timbó” e, principalmente, registrou cenas e mais cenas, expressões e emoções diversas em croquis que, ainda hoje, lhe servem como referências.

Visitar seu atelier, e olhar suas obras, é entrar nesse mundo de cores escuras e belas, é sentir a fascinação que cerca esse povo.

Conheceu Tuparis e Ticunas, também na Amazônia. Mas ainda não lhe bastou. Prepara uma viagem ainda este ano (1998): vai ao Xingu participar do Kuarup,  ritual indígena que homenageia os mortos. Uma festa, que segundo o artista, promete ser fascinante para seu arquivo interior e para as imagens que ainda pretende eternizar em telas.

Em 97 passou 50 dias na África, mas precisamente em Benin e Togo. Outra fascinação.  Trouxe um arquivo de 300 fotos e uma grande carga de energia positiva, que lhe garante manejar o pincel por horas  a fio para representar, ao seu modo, um traço de apreensão ou um sinal de contentamento, que a sua câmera registrou, com precisão, no meio do povo agressivo, mas pictoricamente rico, desde o olhar enigmático das crianças, até a beleza exuberante da mulher negra, sensual e bonita.

Além do curriculum de Élon registrar diversas exposições no Brasil (São Paulo, Bahia e Santa Catarina), suas obras já foram exibidas em Toronto, no Canadá;  diversas vezes na Suíça, nas cidades de Berna e Basiléia, onde Rolf Walther é seu marchand; e em Bruxelas,  na Bélgica. Além de freqüentar acervos particulares, o artista está representado também no Museum Der Kulturen Basel, Basiléia, Suíça; Museu de Arte de Londrina, PR; Museu do Banco do estado de São Paulo  e no Museu da Imagem e do Som, São Paulo, SP.

O Estado de São Paulo, domingo 17 de Fevereiro de 1998, Suplemento Feminino

Em 1970, juntamente com os artista Aldemir Martins, Clóvis Graciano e Carlos Scliar, Élon ilustrou o livro de poesias Cantando os Gols, de Tito Battine.

Hoje, sua obra figurativa e abstrata é composta por imagens da terra: índios, negros e caboclos, cercados por textura e cores marcantes. Sua temática busca ressaltar e preservar a cultura brasileira e suas próprias raízes.

Filho de baianos - mãe negra, neta de índios, e pai (o artista Milton Brasil), neto de imigrantes italianos e portugueses - Élon resgata em sua história e origem, a fonte de inspiração . Ao morar na Suíça por seis meses, obteve a oportunidade de expôr o seu trabalho em diversas ocasiões, tornando-se conhecido internacionalmente, principalmente com encomendas para colecionadores europeus.
Possui obras nos seguintes acervos

Desde 1994, faz parte do acervo da 
Manolo Saez Galeria de Arte - Curitiba - PR. Brasil
Museums der Kulturen Basel o Basiléia-Suíça
Museu da Imagem e do Som o São Paulo-SP
Museu do Banco do Estado de São Paulo
Museu de Arte de Londrina-PR

Exposições individuais
1993 - Banco Central o São Paulo-Brasil
1993 - Banco Central o São Paulo-Brasil
1993 - Museu da Cultura/PUC o São Paulo-Brasil
1993 - Galeria Arcartes o Toronto-Canadá
1993 - Galeria Goetz o Basiléia-Suíça
1993 - Galeria ACBEU o Bahia-Brasil
1995 - Hotel Tropical o Bahia-Brasil
1995 - Galeria Goetz o Basiléia-Suíça
1995 - Golf Hotel o Berna-Suíça
1996 - Banco SLK o Bruxelas-Bélgica
1997 - Museu de Etnologia o Basiléia-Suíça
1998 - Centro Holístico de Educação e Vivência o São Paulo-Brasil
1998 - Espaço Cultural Banespa o São Paulo-Brasil
1998 - Brasil 500 anos-MASP o São Paulo-Brasil
1998 - Galeria Caribé o São Paulo-Brasil
1999 - Parque das Ruínas o Rio de Janeiro-Brasil
2005 - Brazilian Embassy, London, UK
2006 - Eton College, UK


quinta-feira, 15 de março de 2012

MARIA FEIJÓ E A ESCRITA DAS MULHERES


A escritora formou-se no Magistério pela Escola Normal de Alagoinhas, na gestão de Alcindo de Camargo, exercendo a profissão nas cidades de Senhor do Bonfim, Santo Amaro da Purificação, Aramari e Alagoinhas. Começa, daí, sua defesa em prol do setor educacional. E esta foi uma área que lhe possibilitou uma certa influência sobre a juventude da época, momento em que as mocinhas desta cidade saíam apenas para a igreja e quermesses em companhia dos pais e mães. Desde então já era impulsionadora de movimentos e manifestações culturais, dirigindo, em 1932, a partir do n. 12 de Alarma, jornal que era, até então, restrito ao mundo masculino e que se voltava para rondar as noites alagoinhenses, criticando homens e mulheres com piadas desqualificadoras.

Casada com Goaracy da Silva Neves, teve no marido bastante incentivo para suas atividades culturais. A irreverência da intelectual a acompanha em todos os momentos de sua vida.

Em 1949 realizou, em Salvador, um curso intensivo de Biblioteconomia sob a direção de Bernadete Sinay Neves, sendo, logo após, nomeada bibliotecária escolar. Fundou e dirigiu, na época, a Biblioteca Rui Barbosa na escola Brasilino Viegas em Alagoinhas, sendo a primeira mulher a comandar um programa de rádio na cidade natal; criou em 1950, a Hora da biblioteca, no serviço de Auto-falantes local, intitulado A voz da liberdade, inserindo na programação a Escola de brotinhos, onde as crianças e adolescentes encontravam espaço para expressar suas primeiras criações artísticas, bem como declamações, ensaios teatrais, musicais, dentre outras manifestações.

Entretanto, o cenário alagoinhense tornou-se pequeno para continuar abrigando a intelectual, que corre em busca de outros espaços. Parte então, sozinha, para o Rio de Janeiro (inicialmente, para passar as férias, conforme relatos de seus contemporâneos), e achando campo para suas atividades, por lá permaneceu vivendo até o momento atual. No Rio de Janeiro, a autora alcançou o reconhecimento de um restrito grupo, tanto no campo literário como na área da biblioteconomia. Em 1953, conclui o curso superior de Biblioteconomia no Rio de Janeiro, vindo a atuar na profissão de bibliotecária na Biblioteca Regional de Copacabana, chegando a ser chefe na Biblioteca da Gávea. Posteriormente, trabalhou no DASP e foi nomeada e empossada para exercer a mesma atividade no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do MEC.

Na comunidade literária carioca fundou o CLAM (Centro Literário Amigos de Maria Feijó: Marijó) onde proporcionou várias reuniões para tratar de assuntos relacionados à literatura e ao livro. Atuou, também, no programa Salão Grenat, da Radio Tupy, colaborando com o radialista Collid Filho.

Durante o período que passou a viver no Rio de Janeiro, sempre visitou Alagoinhas e acompanhava as ascensões sociais e culturais do seu município, contribuindo com o lançamento de suas obras e sentindo, amargamente, o desinteresse dos seus patrícios para com sua produção literária e cultural de modo geral.

A intelectual é membro de diversas associações como, Academia de Letras, Trovas e Filosofia do Rio de Janeiro; Academia Castro Alves de Letras, Bahia; Academia de Letras Municipais do Brasil, São Paulo; Associação dos Diplomados da Academia Brasileira de Letras; Instituto dos Centenários (Casa Agripino Grieco); Associação Cristã Feminina, Rio de Janeiro; UBT (União Baiana de Trovadores); Movimento Político Nacional, SP, e da sociedade de homens de letras, recebeu o prêmio da Academia Caitetense de Letras.

Daniela Brandão 
Maria José de Oliveira Santos
Ivia Alves



PRODUÇÃO LITERÁRIA DA BAIANA MARIA FEIJÓ: SAUDADE 
E INQUIETAÇÃO EM MEIO A PROSAS E VERSOS
de Maria José de Oliveira Santos


PALAVRAS INICIAIS: MARIA FEIJÓ E A ESCRITA DAS MULHERES

No século XX a imprensa diminuiu a distância entre a mulher e o direito à publicação, possibilitando sua tímida entrada para a cena literária brasileira. Nesse ponto de resistência pode ser visibilizado o da professora primária, bibliotecária, jornalista e escritora Maria Feijó de Souza Neves que para publicar seus poemas utilizou-se muitas vezes de pseudônimos. Nascida em família influente mudou-se para o Rio de Janeiro em busca de realizações profissionais e literárias. A ficção produzida por mulheres colabora para revisão do cenário e como forma de categorização literária trouxe à tona o início de uma desestruturação patriarcal, contribuindo para compreensão das duas formas de rebaixamento da mulher, o social e o literário. (JOBIM, 1992). A leitura literária pode ser uma tentativa de revisão e por meio dos romances as mulheres do espaço doméstico liam às escondidas e desse modo ia sendo construído seu comportamento conforme Ívia Alves. (2002).

DE ALAGOINHAS PARA O RIO DE JANEIRO: PASSAGENS INESQUECÍVEIS

Maria Feijó nasceu em 1918 (Alagoinhas) e faleceu em 2001 (Rio de Janeiro). Incluída em uma classe privilegiada possuía contato com personalidades políticas e, morando parte da juventude em confortável sítio afastado do centro sua adolescência foi marcada pelo controle da mãe orientada.  

No campo da educação influenciou a juventude quando as jovens saíam apenas para a igreja e quermesses em campainha das famílias e suas iniciativas provocaram insatisfação das mulheres, tornando-se a primeira da cidade a comandar um programa de rádio (1950), além de ser editora de um jornal masculino na década de 30. Escreveu em periódicos em Alagoinhas, Salvador, região baiana e também em jornais do país e o resultado de seu trabalho rendeu-lhe menções e títulos espalhados na Bahia, no Brasil e em Alagoinhas. Publicou mais de vinte livros destacando-se: Bahia de todos os meus sonhos (livro de estreia em 1966), O pensionato, Paraíso das moças, Alecrim do tabuleiro, Pelos caminhos da vida de uma professora primária, Bahia de todos os meus sonhos, Perfil da Bahia, Velejando, Panorama de Alagoinhas, Minha doce Alagoinhas, dentre outros.

SAUDADE, CONFLITOS, INQUIETAÇÕES

Há sentimentos na vida/que não se pode explicar/como o adeus da partida/quando a vontade é ficar. (FEIJÓ, 1969).

Desde quando se mudou para o Rio de Janeiro Maria Feijó visitava Alagoinhas onde lançava suas produções. Sentindo o desinteresse dos patrícios pela sua arte os motivos que a levaram a estabelecer-se na Capital Federal foram marcados pela tristeza:[...] partir. Tudo isto significa haver entrado no trenzinho ‘Pirulito’, o ‘Maria Fumaça’, da ocasião, até Salvador (‘Bahia’ na época, chamada por todos) onde, após mil solavancos da vida, tomei um avião da FAB, depois de cinco horas de vôo, aterrissando no Rio de Janeiro [...] em virtude de quando apelei para as autoridades educacionais da minha terra, nada obtive, e já não suportava mais horizontes estreitos de incompreensão me cercando... (FEIJO, 1988, p. 54).

Estigmatizada pela dicotomia da suavidade da mulher e a fortaleza do homem construiu uma trajetória de batalhas na tentativa de ser reconhecida no contexto literário. Sua família não a impediu que fosse classificada como persona non grata e a posição social não lhe assegurou o reconhecimento desejado daí sua mudança para buscá-lo em outros espaços – em 1953 concluiu Biblioteconomia no Rio de Janeiro onde fundou o Centro Literário Amigos de Maria Feijó (CLAM) onde organizava encontros além de atuar no programa Salão Grenat (Radio Tupy) colaborando com o radialista falecido Collid Filho.

Ao mudar-se se inquietou com o comportamento das moças dos pensionatos onde morou em seu livro de crônicas O pensionato “Paraíso das moças’ (1988, p. 21): [...] as duas companheiras quando trocavam de roupa [...], permanecendo horas completamente nuas [...] janelas abertas os rapazes lá de cima, de binóculo se regalando [...] Elas me perturbaram tanto para estudar ou dormir, que logo acatei a ideia de estudar no refeitório”. O sentimento religioso contribuiu para definição do seu comportamento, legitimando o projeto de felicidade que consiste em ficar ao lado de Deus na eternidade, resultando na “cartilha da Moral”.
Para Tereza Fagundes (2005) o fato da mulher idealizada como pessoa dócil e gentil e possuir afinidades com crianças converge para profissões tipificadas como femininas, reforça o estereótipo que a conciliação dos papeis de educadora ao de esposa e mãe é uma obrigação estimulada pela sociedade. Sua visão social lhe sugere colocar na vitrine escrita o retrato de uma professora primária interiorana em ...pelos caminhos da vida...de uma professora primária (1978), onde as personagens figuram um mundo representativo sem perder a legitimidade do cotidiano da Alagoinhas da década de 70.

A poesia é um mundo inventado por meio de valorações que sugerem transformações apreciadas pela invenção leitora. Mesmo partindo para longe não esquece a Bahia e Alagoinhas e sua gente a quem dedica versos conforme “Canto à Bahia”: [...] Terra morena, feita de cantares;/[...]/Com sua voz que embalsamava os ares... /E Rui, lá fora conquistando a glória/[...]/Te colocando em pedestal, na história!/Teu povo alegre, vívido, elegante,/Faz a moldura que te põe no altar/Esplendoroso do Brasil gigante!A saudade de Alagoinhas manifesta-se ainda em “Pedaços de felicidade”:  “ALAGOINHAS, doce terra amada/Que minha adolescência acalentou;/De sonhos belos, puros, orvalhada,/[...]/Na doce infância assim aureolada,/A minha terra o BELO me ensinou;/[...] Hoje distante, se meu peito chora,/Eu penso em ti, na dor dessa saudade,/Que martiriza e que não vai embora.../E no painel que, em versos, eu componho,/Vejo os pedaços da felicidade/Que construíram meu viver de sonho...

Para Elizete Passos (1999) a sociedade baiana comungava da educação modelar, incluindo valores morais e religiosos e nessa perspectiva Maria Feijó foi educada, pois não admitia comportamento que fugisse às regras recebidas pela família e pela escola da época.
Maria Feijó canta sua terra ao tempo que denuncia sua ausência de incentivo, chegando a ser quase desconhecida no município alagoinhense: “A menina que vivia em mim/nas manhãs alegres,/brincando ao sol/ou cantando à chuva,/ainda existe/perdida no turbilhão mercenário/de agora... /Ela persiste./Em cantigas de roda/ainda mora/no festival de sonhos,/envolto de lembranças/num misto de saudades/e orquídeas desbotadas,/mas guardando os resquícios/de um tempo que amou!../[...]/Esta menina não ficou lá./Está aqui/Suas indecisões ainda perduram/nas encruzilhadas do tempo,/procurando evocar/as advertências maternas/na suavidade de... “é para o seu bem, minha filha...”/ E o conselho-amigo do pai/ circula pelas esferas do coração....”
Seu lamento de saudade continua em outro poema: “A menina de Alagoinhas veio./Está aqui, guardada,/Para, no imperativo momento,/se desvencilhar da vida diferente/do lado de cá,/e sair correndo por aí,/em busca dos laços de fita/cantando saudades do quintal festivo,/e vestindo a sala de infância, abrir os braços da brejeirice,/a fim de poder sorrir,/para o mundo-hoje!...”.

Em “Olhando o Cristo da Bahia!” o lado cristão é exposto como contemplação em todo seu encanto entrecruzado entre o sagrado e o profano: “Sua Bahia Bonita,/Sua Bahia de Encantos,/Sua Bahia de Todos os Santos.../... [...] Lá em cima do morro, o Cristo/Abençoando sua Cidade./Numa atitude contrita/Com um soberbo perfil/E um olhar infinito,/Abençoando.../Sua Bahia Devota,/Sua Bahia Cristã,/[...].
A luta pela realização em Alagoinhas foi seu grande sonho e em meio aos conflitos e saudade Maria Feijó ressaltou: “Alagoinhas não tem uma fonte para que se possa saciar a sede do saber”. (Alagoinhas Jornal, jan. /97, p.2); “Alagoinhas não tem memória literária.” (Alagoinhas Jornal, id. Ibid. p. 2). A intervenção do olhar da mulher na produção literária constituísse em uma forma de remexer nos rumos da cultura. E assim o foi com a presença de Maria Feijó que, em uma cidade pequena assustou com sua maneira de pensar, agir e representar em versos e prosas a realidade que a cercava. Tudo com inquietação e saudade. 

Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura

Publicação em livro:

Bahia de todos os meus sonhos. Salvador: Ed. Particular, 1966. (poesia)
Ramalhete de trova. 1969. (poesia)
Perfil da Bahia e outros poemas. 1970. (poesia e folclore)
Duas lenda. 1971. (poesia)
Alecrim de Tabuleiro. Rio de Janeiro: Max. 1972 (crônica)
O Canto que veio. RJ. 1974. (poesia)
Quando um lírio desabrochava.. 1977. (crônica)
Meu chão azul. Rio de Janeiro: Editora Max. 132 p. 1980 (poesia)
... pelos caminhos da vida de uma professora primária, s/d, mem
O pensionato - paraíso das moças ...& outros fatos. Rio de Janeiro: Ed. Max. 137 p. 1988. (Crônica de jornais)
Perfil da Bahia. RJ, Guanabara: Ed. Gráfica Mar Ltda. 139 p. 1970.
Beduino do sonho. Rio de Janeiro: Comércio Ind. De papéis, 1992.
Sinfonia de um novo amanhecer. 1990

Dentre outras obras: Vitrais de Sonhos; Velejando; Panorama de Alagoinhas; Em qualquer Estrada; Minha doce Alagoinhas; Amanhã iluminado; A canção azul do campo

quarta-feira, 14 de março de 2012

PROFESSOR OSMAR MOREIRA: PROBLEMATIZANDO IDENTIDADES CULTURAIS



Nunca se escreveu e se debateu tanto sobre identidade cultural como nos últimos trinta anos. Nunca uma questão foi tão popular e tão acessível aos mais diferentes grupos, comunidades, nações e as situações de vida e de existência. Talvez não seja exagerado afirmar que através desse fenômeno estamos reaprendendo a perguntar, interrogar. Mas a que preço, sob que condições, visando a que, suspendendo a nova ordem do mundo ou simplesmente reproduzindo-a?

Se estamos no reino da cultura capitalística, qual o sentido então de identidade cultural? Auto-identificar-se burguês, culto, ilustrado, dono da verdade, com dinheiro para consumir representações que o fetichizem e o proliferem com os valores de sua classe? Fechar-se num pequeno mundo comunitário e reproduzir secreta e eloquentemente valores burgueses que julga combater? Ou encarar que identidade não é uma natureza, mas um processo de construção social que implica sempre relações de poder que atravessam desejos, sonhos, fantasias e de que não teremos qualquer chance se não suspendermos essas formas de definição de cultura e construirmos outras, singulares, sempre diferenciais, que nos garantam outros agenciamentos, outras formas de afirmação da existência?

Responder a essas questões, eis a condição da identidade na atual política cultural brasileira. Em três grandes eixos – cultura como um bem simbólico; como um direito de acesso a bens culturais, inclusive de máquinas para produção e reprodução de imagens e auto-imagens; e como um campo de trabalho e geração de rendas e riquezas, milhões de brasileiros foram convocados a debater e encaminhar formas de institucionalização da malha cultural. Ou seja, está em curso no Brasil, desde 2003, a possibilidade de criação não só de sistemas e planos nacionais e estaduais de cultura, mas de planos decenais municipais de cultura envolvendo seus mais de 5.500 municípios.

Isso quer dizer que todos os segmentos culturais — teatro, dança, música, artes visuais, audiovisual e patrimônio - vão ter representantes nos conselhos municipais de cultura, os conselhos municipais de cultura vão mediar a legislação sobre políticas culturais que respondam democraticamente as reivindicações culturais, e essas reivindicações culturais, para terem algum sentido, devem não só afirmar que cada indivíduo, grupo, comunidade, território produziu, produz e produzirá bens simbólicos, através de seus modos de vida, mas que o seu acesso a outros modos de representação cultural e aos laboratórios de sua reinvenção (pontos de cultura, pontos de leitura, infocentros, bibliotecas, ilhas de produção, entre outros) deve ampliar a massa de trabalhadores culturais e fazer emergir outra noção de mercado e de mercadoria.
O "bem simbólico" que está na base dessa definição e movimento cultural no Brasil não só quer apenas se opor a cultura, entendida até agora e ao longo de mais de 500 anos, como um ”bom negócio" — que ironicamente também precisa de bens, mas garantir e sustentar a indivíduos, grupos, territórios o confronto de seus bens simbólicos com outros bens simbólicos já consagrados, canonizados e de forte circulação no mercado capitalístico, bem como a reelaboração de outra imagem/representação de si e do outro, revertendo com isso a falsa imagem identitária que fazia de si sem perceber e ao mesmo tempo a "verdadeira” imagem identitária do outro que consumia sem refletir. E o mercado cultural daí derivado só faz sentido de for socialista e solidário.
Um exemplo desse investimento e agenciamento coletivo num contexto (g)loca|, é o trabalho cultural sobre a cidade de Alagoinhas articulado pela professora de Letras Iraci Gama. Ao longo de 30 anos tem reunido artistas, professores, gestores de cultura num debate insistente sobre falsos problemas acerca da identidade (o Parque de Santo Antonio ou Parque de São Francisco?), mas se colocado quase como uma instituição (o atual funcionamento da FIGAM, não vale) no levantamento, catalogação, digitalização e publicização de dezenas de milhares de peças culturais sobre a memória da cidade. Além disso, é a atual presidente do Conselho do Cultura que, como foi dito acima, deveria ter uma imensa tarefa ligada a criação do Plano Decenal de Cultura Municipal, através de uma secretaria que é também de Esporte e Lazer.
Vivemos, portanto, em Alagoinhas um profundo e difícil dilema cultural. De um lado, uma hegemônica e impiedosa massificação cultural, de outro um imenso acervo cultural em vias de se organizar, uma legião de sujeitos criativos distribuídos nos mais diferentes segmentos culturais, uma série de equipamentos e mesmo instituições culturais (vide a Secretaria de Cultura, Esporte Lazer, como uma das poucas na Bahia), mas sem um agenciamento público que faça essa leitura e coloque a cidade na vanguarda de um debate cultural na Bahia.

Do ponto de vista dos Estudos da subalternidade: crítica cultural comunitária, posicionalidade política e invenção de novos sujeitos de direitos — um dos projetos em execução no mestrado em Crítica Cultural do Campus ll da UNEB, esse dilema cultural vivido em Alagoinhas sequer será entendido se não rediscutirmos o sentido e papel cultural da FIGAM, criarmos uma secretaria específica para a cultura e dotar cada bairro da cidade de condições para que escolas e equipamentos de cultura (centros, bibliotecas etc.,) mobilizem personalidades de cultura e de educação para decidir sobre a noção de cultura em diferença que se quer para a cidade.
Assim, o debate sobre identidade cultural, a meu ver, torna-se fundamental não só para aprendermos a refutar e a esconjurar o fantasma daquilo que não somos, mas principalmente para nos habilitarmos a descrever realidades culturais concretas, sejam ele objetivas e/ou subjetivas, tendo sempre como um crivo: quem produziu a riqueza material existente - senão a natureza e a acumulação da força de trabalho, e a quem essa riqueza deve retornar. Ou ainda: qual o real débito da FIGAM e do município de Alagoinhas com a trabalhadora cultural e pessoa física professora Iraci Gama que, ao longo de décadas, tem investido seus próprios recursos na construção do patrimônio memorial da cidade? O mais incrível é que nem governos ditos socialistas - por que vinculados aos fantasmas stalinistas, se deram conta de que cultura implica força de trabalho e força de trabalho ainda deve ser comprada, remunerada, senão vira relações escravistas ou o que é pior: vira esquizofrenia pública denegada (não invisto em cultura, mas preciso do seu acervo para afirmar a cidade diante das instituições estaduais e federais, afirmo culturalmente a cidade diante das instituições, mas nego a imagem da criadora nas peças publicitárias sobre a inserção de Alagoinhas no PAC da cultura...).

TEXTO: Prof. Osmar Moreira é doutorado em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia e pós-doutorado pela Université Paris 8. Atualmente é professor titular e coordenador do Mestrado em Crítica Cultural da UNEB. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas; tropicalismo, cinema novo, subalternidade, micro política e políticas da subjetividade.
Email: osmar.moreira@uoI.com.br