terça-feira, 8 de maio de 2012

O Samba de Roda do Burí - Uma expressão maior da cultura popular de Alagoinhas.


Era fim de tarde. O sol já começava a se esconder, quando decidi ir à casa de dona Maria do Carmo. O motivo da inesperada visita era conhecer um pouco sobre o samba de roda do Burí. Pude perceber ao longo da conversa, que dona Maria do Carmo, professora há mais de 30 anos, tinha uma trajetória que ora se confundia com a história e o crescimento daquele po-voado, ora com a preservação da tradição local representada pelo grupo de samba de roda. 


O vestido florido, de certa forma estampava a simplicidade daquela mulher, que me recebeu com toda disposição. O que poderia ser uma pretensiosa entrevista enfadonha, foi na verdade um bate-papo descontraído e engraçado. O sorriso aberto, e a alegria de falar sobre o Burí, lugar onde nasceu, e criou-se, e ainda, onde desde 1977 exerce sua profissão, deixou dona Do Carmo muito à vontade para falar sobre o prazer de fazer parte do samba de roda da sua comunidade. É tanto, que sem modéstia alguma afirmou logo de cara: “sou eu que sacudo mais o grupo”, e em seguida, soltou com deboche uma forte gargalhada. Então, foi possível perceber que ali, onde estávamos, naquela pequena varanda, não havia espaço suficiente para a enorme satisfação de dona do Carmo em falar sobre o samba de roda e sobre o Burí: - “Lá é um lugar assim (...) se você não conhece, você vai gostar. O Burí é muito bom.”


Dona Maria do Carmo é educadora no Burí, desde quando seu Faustino Bispo criou a primeira escolinha daquele lugar, feita de taipa, à qual deu o nome de Senhor do Bonfim. E é sambadeira desde criança. Através de seu pai que tinha um pandeiro, ela pegou o gosto pelo samba, que já vinha sendo passado de geração a geração. Segundo a professora, o morador mais velho do Burí, Seu Vítor, afirma que seus antepassados, os primeiros a morarem naquela região, eram descendentes de escravo. O samba de roda é uma manifestação cultural que possui forte vínculo com a cultura africana trazida pelos escravos, que viam trabalhar no Brasil, à época da colonização. Devido a sua importância histórico-cultural, o samba de roda foi tombado em 2005 como Patrimônio Imaterial da Humanidade. Leve-se em conta que a roda de samba sempre serviu como forma de diversão e de comemoração nas comunidades rurais, nas roças do Burí não foi diferente. Sempre depois da reza vinha o samba de roda. Se tinha um caruru, depois fazia-se um samba, se tinha queima da Lapinha, todo mundo sambava. No povoado do Burí, que tem esse nome por causa de uma árvore parecida com um coqueiro, chamada burí, a maioria da população vive do cultivo e da comercialização de produtos feitos da mandioca, como o beijú, a tapioca, o carimã e a farinha. 


O grupo Raízes da Terra do Burí quando se apresenta reúne mais de quarenta pessoas, entre tocadores, as mulheres que sambam e cantam e os jovens e as crianças que não dispensam a folia. A maioria das pessoas que compõem o grupo é morador da localidade. “- Eu me sinto muito feliz. Com o samba posso levar alegria aos jovens e adultos. E quando eu vejo as crianças participando, eu vejo que aquilo ali não vai morrer. Eles gostam”, diz a professora. Enquanto os homens tocam os instrumentos, a viola, o timbau, o cavaquinho, o pandeiro e o agogô, as mulheres no meio da roda, com suas saias coloridas, sambam e batem palmas. O grupo costuma se apresentar quando é convidado por instituições, não cobra para participar dos eventos, tendo apenas como retorno, o prazer de mostrar sua cultura e levar alegria ao público. 


Em meio à conversa com dona Maria do Carmo, ligeiramente a tarde tornou-se noite. Então ela levantou-se e entrou em sua casa para acender as luzes da varanda. De quebra, trouxe um caderninho; nele estava os sambas antigos, que um dia ela ouviu seu pai cantar, e que com certeza, um dia ele também aprendera com os pais dele.  

A vontade de preservar o samba de roda, as raízes culturais do Burí, se resume na última frase de Maria do Carmo: “Quem sabe no futuro, nossos filhos, nossos netos continuem fazendo o samba. Seria muito bom.”
Pedi licença para copiar alguns versos dos sambas que estavam no caderno. E cheguei a uma conclusão. Enquanto houver o amor e a dedicação dos moradores do Burí em fazer o seu samba de roda, como pude perceber naquela rápida conversa com dona Maria do Carmo, ele com certeza não deixará de existir.

"Vem cá morena, vem me cantar, Oh.. morena segura esta saia,não deixa cair...eta..eta..Não deixa parar este samba,é pagode ele veio pra ficar, Sapateia morena do meu coração..eta..eta Rebola as cadeiras e não diga que não.. Oh morena bonita eu vim te amar.. Eu te encontro na Praça da Sé...é o samba do Burí, este veio pra ficar."

 Texto: Aline Santos - Caderno Cultural Expresso 18 - Setembro/2011
Fotos:www.teatrobac.blogspot.com

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