Era fim de tarde. O sol já começava
a se esconder, quando decidi ir à casa de dona Maria do Carmo. O motivo da
inesperada visita era conhecer um pouco sobre o samba de roda do Burí. Pude
perceber ao longo da conversa, que dona Maria do Carmo, professora há mais de
30 anos, tinha uma trajetória que ora se confundia com a história e o
crescimento daquele po-voado, ora com a preservação da tradição local
representada pelo grupo de samba de roda.
O vestido florido, de certa forma
estampava a simplicidade daquela mulher, que me recebeu com toda disposição. O
que poderia ser uma pretensiosa entrevista enfadonha, foi na verdade um
bate-papo descontraído e engraçado. O sorriso aberto, e a alegria de falar
sobre o Burí, lugar onde nasceu, e criou-se, e ainda, onde desde 1977 exerce
sua profissão, deixou dona Do Carmo muito à vontade para falar sobre o prazer de
fazer parte do samba de roda da sua comunidade. É tanto, que sem modéstia
alguma afirmou logo de cara: “sou eu que sacudo mais o grupo”, e em seguida, soltou
com deboche uma forte gargalhada. Então, foi possível perceber que ali, onde
estávamos, naquela pequena varanda, não havia espaço suficiente para a enorme
satisfação de dona do Carmo em falar sobre o samba de roda e sobre o Burí: -
“Lá é um lugar assim (...) se você não conhece, você vai gostar. O Burí é muito
bom.”
Dona Maria do Carmo é educadora
no Burí, desde quando seu Faustino Bispo criou a primeira escolinha daquele
lugar, feita de taipa, à qual deu o nome de Senhor do Bonfim. E é sambadeira desde
criança. Através de seu pai que tinha um pandeiro, ela pegou o gosto pelo
samba, que já vinha sendo passado de geração a geração. Segundo a professora, o
morador mais velho do Burí, Seu Vítor, afirma que seus antepassados, os
primeiros a morarem naquela região, eram descendentes de escravo. O samba de
roda é uma manifestação cultural que possui forte vínculo com a cultura africana
trazida pelos escravos, que viam trabalhar no Brasil, à época da colonização.
Devido a sua importância histórico-cultural, o samba de roda foi tombado em 2005
como Patrimônio Imaterial da Humanidade. Leve-se em conta que a roda de samba
sempre serviu como forma de diversão e de comemoração nas comunidades rurais,
nas roças do Burí não foi diferente. Sempre depois da reza vinha o samba de
roda. Se tinha um caruru, depois fazia-se um samba, se tinha queima da Lapinha,
todo mundo sambava. No povoado do Burí, que tem esse nome por causa de uma
árvore parecida com um coqueiro, chamada burí, a maioria da população vive do
cultivo e da comercialização de produtos feitos da mandioca, como o beijú, a tapioca,
o carimã e a farinha.
O grupo Raízes da Terra do Burí quando
se apresenta reúne mais de quarenta pessoas, entre tocadores, as mulheres que sambam
e cantam e os jovens e as crianças que não dispensam a folia. A maioria das
pessoas que compõem o grupo é morador da localidade. “- Eu me sinto muito
feliz. Com o samba posso levar alegria aos jovens e adultos. E quando eu vejo
as crianças participando, eu vejo que aquilo ali não vai morrer. Eles gostam”,
diz a professora. Enquanto os homens tocam os instrumentos, a viola, o timbau,
o cavaquinho, o pandeiro e o agogô, as mulheres no meio da roda, com suas saias
coloridas, sambam e batem palmas. O grupo costuma se apresentar quando é
convidado por instituições, não cobra para participar dos eventos, tendo apenas
como retorno, o prazer de mostrar sua cultura e levar alegria ao público.
Em meio à conversa com dona Maria
do Carmo, ligeiramente a tarde tornou-se noite. Então ela levantou-se e entrou
em sua casa para acender as luzes da varanda. De quebra, trouxe um caderninho;
nele estava os sambas antigos, que um dia ela ouviu seu pai cantar, e que com
certeza, um dia ele também aprendera com os pais dele.
A vontade de preservar o samba de
roda, as raízes culturais do Burí, se resume na última frase de Maria do Carmo:
“Quem sabe no futuro, nossos filhos, nossos netos continuem fazendo o samba. Seria
muito bom.”
Pedi licença para copiar alguns
versos dos sambas que estavam no caderno. E cheguei a uma conclusão. Enquanto
houver o amor e a dedicação dos moradores do Burí em fazer o seu samba de roda,
como pude perceber naquela rápida conversa com dona Maria do Carmo, ele com certeza
não deixará de existir.
"Vem cá morena, vem me cantar, Oh..
morena segura esta saia,não deixa cair...eta..eta..Não deixa parar este samba,é
pagode ele veio pra ficar, Sapateia morena do meu coração..eta..eta Rebola as
cadeiras e não diga que não.. Oh morena bonita eu vim te amar.. Eu te encontro
na Praça da Sé...é o samba do Burí, este veio pra ficar."
Texto: Aline Santos - Caderno Cultural Expresso 18 - Setembro/2011
Fotos:www.teatrobac.blogspot.com
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