Ao adotar a arte como estiIo de vida, o
meu primeiro desafio foi o de encontrar um conceito
para arte. Como desenvolver uma atividade sem ter
o conhecimento da sua natureza? Depois de coIher várias informações, adotei, por achar
mais confortável, o conceito da estética como fora cunhada
peIo filósofo alemão Alexander Baugarten (1714-1762): ”Uma ciência
do conhecimento sensorial que contrapõe a
razão em busca de uma verdade". O segundo desafio foi vivenciar este
saber, a arte como uma ciência de conhecimento sensorial
e como usar os sentidos para captar as informações e processar
conhecimentos. Desde Os meus 30 anos de existência tive a
oportunidade de conhecer e praticar a nobre filosofia do Yôga,
e a meditação sempre foi a prática da minha preferência. Busquei colher
os frutos desta prática para aplicar na atividade
escolhida como um estilo de vida: o de ser artista.
Restou então a escolha das perguntas
para buscar as respostas. Duas questões incomodavam,
há muito, minha alma de artista. A primeira, de
natureza cultural e social: Quais são os signos e símbolos
matrizes que estruturam a identidade cultural da minha
comunidade, Alagoinhas? A segunda é a natureza do conceito do homem
livre. A resposta para ambas eu encontrei na organização
da civilização Tupinambá, uma sociedade sem Senhor e
sem obediência, cujos fazeres e objetos ainda são
adotados pela nossa gente. Dediquei então o meu tempo na busca do
saber dessas unidades resistentes. As informações
colhidas revelam os objetos criativos: as pinturas e as
esculturas - a minha arte. No prazer de pintar, adotei os princípios
da arte Kusiwa que quer dizer em Tupi, ”o caminho dos
riscos". Construo, então, com os riscos, um texto iconográfico,
a alma da mensagem, que ora pode estar em forma
de figura de uma unidade resistente, ora é a própria
alma. Pelos valores interpretativos, utilizo os pigmentos
naturais: a argila, o carvão e o urucum. Elaboro, com o
pincel e com os dedos, campos de uma paisagem monocromática
afinada com a elegância, convidando assim, o
observador a uma meditação. Na escultura utilizo os elementos que
expressam a resistência do ser que busca a consciência
do homem livre: o barro, o ferro e a pedra. Para realizar a missão da arte, como
meio de obter e de passar conhecimento, tenho me
dedicado, com muita paciência, a observação, para criar
uma Iinguagem própria que preencha o olhar conquistado,
estabelecendo, assim, uma conexão inteligente entre criador e
observador.
A minha caminhada teve início há 44
anos como desenhista, depois Pintor de
Sentimentos, técnico em arquitetura, designer e, finalmente,
escultor. Três anos como artista residente no
Centro de Cultura de Alagoinhas e pesquisador da nossa
cultura matriz. Com obras espalhadas pelo planeta,
tenho amadurecido, realizando exposições na capital e no
interior da Bahia. Em 2006, conquistei o prêmio "Destaque no Salão de Artes Visuais da Bahia" realizado em
Alagoinhas. Em 2008, participei da Bienal do Recôncavo em
S. Félix e dos Salões Regionais de Artes Visuais da Bahia,
como homenageado, na edição de Alagoinhas, pelas pesquisas
realizadas e pelo conjunto da obra, sendo que uma delas
foi escolhida para a identidade visual dos Salões Regionais
de 2009, promovidos pela Fundação Cultural do Estado da
Bahia. Hoje tenho o sonho de conquistar a consciência indígena através da arte, e de
entender três dos seus mitos; o do não hum, o dos abandonados e o de
que o sofrimento constrói sonhos e poder.
Numa sociedade onde a leitura é paixão
de poucos e onde não se conhece a sua própria
identidade cultural, falta a capacidade de descobrir os elementos
matrizes dos seus costumes de viver - ainda encantada
com os valores do branco europeu e do negro africano. Desenvolver uma atividade estética
focando a cultura indígena torna—se uma missão de visionários,
isto porque, existem na comunidade as unidades
resistentes, como a mandioca e seus derivados, assim como
os artefatos de fibra vegetal participando ativamente do dia
a dia dessa gente. E ai onde o artista tem de cumprir o
seu papel como cidadão: dar visibilidade aos valores
cognitivos desta gente simples que vive na zona rural, para
construir a sua inclusão ultural e social. Uma missão
realizada a duras penas, como sobrevivência para o artista, numa
cidade em que a cultura não é protagonista nas organizações institucionais
e onde falta espaço cultural e comercial para
que suas obras possam ser contempladas e comercializadas.
Neste contexto, a arte e o artista passam a ser códigos a
desvendar.
Fonte: ACIA Divulga, Setembro de 2010 Redação: Midian Bispo
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