A escritora formou-se no Magistério pela Escola Normal de Alagoinhas, na
gestão de Alcindo de Camargo, exercendo a profissão nas cidades de Senhor do
Bonfim, Santo Amaro da Purificação, Aramari e Alagoinhas. Começa, daí, sua
defesa em prol do setor educacional. E esta foi uma área que lhe possibilitou
uma certa influência sobre a juventude da época, momento em que as mocinhas
desta cidade saíam apenas para a igreja e quermesses em companhia dos pais e
mães. Desde então já era impulsionadora de movimentos e manifestações
culturais, dirigindo, em 1932, a partir do n. 12 de Alarma, jornal que era, até então, restrito ao mundo masculino e que se
voltava para rondar as noites alagoinhenses, criticando homens e mulheres com piadas desqualificadoras.
Casada com Goaracy da Silva Neves, teve no marido bastante incentivo
para suas atividades culturais. A irreverência da intelectual a acompanha em
todos os momentos de sua vida.
Em 1949 realizou, em
Salvador, um curso intensivo de Biblioteconomia sob a direção de Bernadete
Sinay Neves, sendo, logo após, nomeada bibliotecária escolar. Fundou e dirigiu,
na época, a Biblioteca Rui Barbosa na escola Brasilino Viegas em Alagoinhas,
sendo a primeira mulher a comandar um programa de rádio na cidade natal; criou
em 1950, a Hora da biblioteca, no serviço de Auto-falantes local, intitulado A voz da liberdade, inserindo na programação a Escola de brotinhos, onde as crianças e adolescentes
encontravam espaço para expressar suas primeiras criações artísticas, bem como
declamações, ensaios teatrais, musicais, dentre outras manifestações.
Entretanto, o cenário
alagoinhense tornou-se pequeno para continuar abrigando a intelectual, que
corre em busca de outros espaços. Parte então, sozinha, para o Rio de Janeiro
(inicialmente, para passar as férias, conforme relatos de seus contemporâneos),
e achando campo para suas atividades, por lá permaneceu vivendo até o momento
atual. No Rio de Janeiro, a autora alcançou o reconhecimento de um restrito
grupo, tanto no campo literário como na área da biblioteconomia. Em 1953,
conclui o curso superior de Biblioteconomia no Rio de Janeiro, vindo a atuar na
profissão de bibliotecária na Biblioteca Regional de Copacabana, chegando a ser
chefe na Biblioteca da Gávea. Posteriormente, trabalhou no DASP e foi nomeada e
empossada para exercer a mesma atividade no Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos do MEC.
Na comunidade literária carioca fundou o CLAM (Centro Literário Amigos
de Maria Feijó: Marijó) onde proporcionou várias reuniões para tratar de
assuntos relacionados à literatura e ao livro. Atuou, também, no programa Salão
Grenat, da Radio Tupy, colaborando com o radialista Collid Filho.
Durante o período que
passou a viver no Rio de Janeiro, sempre visitou Alagoinhas e acompanhava as
ascensões sociais e culturais do seu município, contribuindo com o lançamento
de suas obras e sentindo, amargamente, o desinteresse dos seus patrícios para
com sua produção literária e cultural de modo geral.
A intelectual é membro de diversas
associações como, Academia de Letras, Trovas e Filosofia do Rio de Janeiro;
Academia Castro Alves de Letras, Bahia; Academia de Letras Municipais do
Brasil, São Paulo; Associação dos Diplomados da Academia Brasileira de Letras;
Instituto dos Centenários (Casa Agripino Grieco); Associação Cristã Feminina,
Rio de Janeiro; UBT (União Baiana de Trovadores); Movimento Político Nacional,
SP, e da sociedade de homens de letras, recebeu o prêmio da Academia Caitetense
de Letras.
Daniela Brandão
Maria José de Oliveira Santos
Ivia Alves
Ivia Alves
PRODUÇÃO LITERÁRIA DA BAIANA MARIA FEIJÓ: SAUDADE
E INQUIETAÇÃO EM MEIO A PROSAS E VERSOS
de Maria José de Oliveira Santos
PALAVRAS INICIAIS: MARIA FEIJÓ E A ESCRITA DAS MULHERES
No século XX a imprensa diminuiu
a distância entre a mulher e o direito à publicação, possibilitando sua tímida
entrada para a cena literária brasileira. Nesse ponto de resistência pode ser
visibilizado o da professora primária, bibliotecária, jornalista e escritora
Maria Feijó de Souza Neves que para publicar seus poemas utilizou-se muitas
vezes de pseudônimos. Nascida em família influente mudou-se para o Rio de
Janeiro em busca de realizações profissionais e literárias. A ficção produzida
por mulheres colabora para revisão do cenário e como forma de categorização
literária trouxe à tona o início de uma desestruturação patriarcal,
contribuindo para compreensão das duas formas de rebaixamento da mulher, o
social e o literário. (JOBIM, 1992). A leitura literária pode ser uma tentativa
de revisão e por meio dos romances as mulheres do espaço doméstico liam às
escondidas e desse modo ia sendo construído seu comportamento conforme Ívia
Alves. (2002).
DE ALAGOINHAS PARA O RIO DE JANEIRO: PASSAGENS INESQUECÍVEIS
Maria Feijó nasceu em 1918
(Alagoinhas) e faleceu em 2001 (Rio de Janeiro). Incluída em uma classe
privilegiada possuía contato com personalidades políticas e, morando parte da juventude
em confortável sítio afastado do centro sua adolescência foi marcada pelo
controle da mãe orientada.
No campo da educação influenciou
a juventude quando as jovens saíam apenas para a igreja e quermesses em
campainha das famílias e suas iniciativas provocaram insatisfação das mulheres,
tornando-se a primeira da cidade a comandar um programa de rádio (1950), além
de ser editora de um jornal masculino na década de 30. Escreveu em periódicos
em Alagoinhas, Salvador, região baiana e também em jornais do país e o
resultado de seu trabalho rendeu-lhe menções e títulos espalhados na Bahia, no
Brasil e em Alagoinhas. Publicou mais de vinte livros destacando-se: Bahia de
todos os meus sonhos (livro de estreia em 1966), O pensionato, Paraíso das moças,
Alecrim do tabuleiro, Pelos caminhos da vida de uma professora primária, Bahia
de todos os meus sonhos, Perfil da Bahia, Velejando, Panorama de Alagoinhas,
Minha doce Alagoinhas, dentre outros.
SAUDADE, CONFLITOS, INQUIETAÇÕES
Há sentimentos na vida/que não se pode explicar/como o adeus
da partida/quando a vontade é ficar. (FEIJÓ, 1969).
Desde quando se mudou para o Rio
de Janeiro Maria Feijó visitava Alagoinhas onde lançava suas produções.
Sentindo o desinteresse dos patrícios pela sua arte os motivos que a levaram a
estabelecer-se na Capital Federal foram marcados pela tristeza:[...] partir.
Tudo isto significa haver entrado no trenzinho ‘Pirulito’, o ‘Maria Fumaça’, da
ocasião, até Salvador (‘Bahia’ na época, chamada por todos) onde, após mil solavancos
da vida, tomei um avião da FAB, depois de cinco horas de vôo, aterrissando no
Rio de Janeiro [...] em virtude de quando apelei para as autoridades
educacionais da minha terra, nada obtive, e já não suportava mais horizontes
estreitos de incompreensão me cercando... (FEIJO, 1988, p. 54).
Estigmatizada pela dicotomia da
suavidade da mulher e a fortaleza do homem construiu uma trajetória de batalhas
na tentativa de ser reconhecida no contexto literário. Sua família não a impediu
que fosse classificada como persona non grata e a posição social não lhe
assegurou o reconhecimento desejado daí sua mudança para buscá-lo em outros
espaços – em 1953 concluiu Biblioteconomia no Rio de Janeiro onde fundou o
Centro Literário Amigos de Maria Feijó (CLAM) onde organizava encontros além de
atuar no programa Salão Grenat (Radio Tupy) colaborando com o radialista falecido
Collid Filho.
Ao mudar-se se inquietou com o
comportamento das moças dos pensionatos onde morou em seu livro de crônicas O
pensionato “Paraíso das moças’ (1988, p. 21): [...] as duas companheiras quando
trocavam de roupa [...], permanecendo horas completamente nuas [...] janelas
abertas os rapazes lá de cima, de binóculo se regalando [...] Elas me
perturbaram tanto para estudar ou dormir, que logo acatei a ideia de estudar no
refeitório”. O sentimento religioso contribuiu para definição do seu
comportamento, legitimando o projeto de felicidade que consiste em ficar ao
lado de Deus na eternidade, resultando na “cartilha da Moral”.
Para Tereza Fagundes (2005) o
fato da mulher idealizada como pessoa dócil e gentil e possuir afinidades com
crianças converge para profissões tipificadas como femininas, reforça o
estereótipo que a conciliação dos papeis de educadora ao de esposa e mãe é uma
obrigação estimulada pela sociedade. Sua visão social lhe sugere colocar na
vitrine escrita o retrato de uma professora primária interiorana em ...pelos
caminhos da vida...de uma professora primária (1978), onde as personagens figuram
um mundo representativo sem perder a legitimidade do cotidiano da Alagoinhas da
década de 70.
A poesia é um mundo inventado por
meio de valorações que sugerem transformações apreciadas pela invenção leitora.
Mesmo partindo para longe não esquece a Bahia e Alagoinhas e sua gente a quem
dedica versos conforme “Canto à Bahia”: [...] Terra morena, feita de
cantares;/[...]/Com sua voz que embalsamava os ares... /E Rui, lá fora
conquistando a glória/[...]/Te colocando em pedestal, na história!/Teu povo
alegre, vívido, elegante,/Faz a moldura que te põe no altar/Esplendoroso do
Brasil gigante!A saudade de Alagoinhas manifesta-se ainda em “Pedaços de
felicidade”: “ALAGOINHAS, doce terra
amada/Que minha adolescência acalentou;/De sonhos belos, puros,
orvalhada,/[...]/Na doce infância assim aureolada,/A minha terra o BELO me
ensinou;/[...] Hoje distante, se meu peito chora,/Eu penso em ti, na dor dessa
saudade,/Que martiriza e que não vai embora.../E no painel que, em versos, eu
componho,/Vejo os pedaços da felicidade/Que construíram meu viver de sonho...
Para Elizete Passos (1999) a
sociedade baiana comungava da educação modelar, incluindo valores morais e religiosos
e nessa perspectiva Maria Feijó foi educada, pois não admitia comportamento que
fugisse às regras recebidas pela família e pela escola da época.
Maria Feijó canta sua terra ao
tempo que denuncia sua ausência de incentivo, chegando a ser quase desconhecida
no município alagoinhense: “A menina que vivia em mim/nas manhãs alegres,/brincando
ao sol/ou cantando à chuva,/ainda existe/perdida no turbilhão mercenário/de
agora... /Ela persiste./Em cantigas de roda/ainda mora/no festival de sonhos,/envolto
de lembranças/num misto de saudades/e orquídeas desbotadas,/mas guardando os
resquícios/de um tempo que amou!../[...]/Esta menina não ficou lá./Está
aqui/Suas indecisões ainda perduram/nas encruzilhadas do tempo,/procurando
evocar/as advertências maternas/na suavidade de... “é para o seu bem, minha
filha...”/ E o conselho-amigo do pai/ circula pelas esferas do coração....”
Seu lamento de saudade continua
em outro poema: “A menina de Alagoinhas veio./Está aqui, guardada,/Para, no
imperativo momento,/se desvencilhar da vida diferente/do lado de cá,/e sair
correndo por aí,/em busca dos laços de fita/cantando saudades do quintal
festivo,/e vestindo a sala de infância, abrir os braços da brejeirice,/a fim de
poder sorrir,/para o mundo-hoje!...”.
Em “Olhando o Cristo da Bahia!” o
lado cristão é exposto como contemplação em todo seu encanto entrecruzado entre
o sagrado e o profano: “Sua Bahia Bonita,/Sua Bahia de Encantos,/Sua Bahia de
Todos os Santos.../... [...] Lá em cima do morro, o Cristo/Abençoando sua
Cidade./Numa atitude contrita/Com um soberbo perfil/E um olhar infinito,/Abençoando.../Sua
Bahia Devota,/Sua Bahia Cristã,/[...].
A luta pela realização em Alagoinhas
foi seu grande sonho e em meio aos conflitos e saudade Maria Feijó ressaltou:
“Alagoinhas não tem uma fonte para que se possa saciar a sede do saber”.
(Alagoinhas Jornal, jan. /97, p.2); “Alagoinhas não tem memória literária.”
(Alagoinhas Jornal, id. Ibid. p. 2). A intervenção do olhar da mulher na
produção literária constituísse em uma forma de remexer nos rumos da cultura. E
assim o foi com a presença de Maria Feijó que, em uma cidade pequena assustou
com sua maneira de pensar, agir e representar em versos e prosas a realidade
que a cercava. Tudo com inquietação e saudade.
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura
Publicação em livro:
Bahia de todos os meus sonhos. Salvador: Ed.
Particular, 1966. (poesia)
Ramalhete de trova. 1969. (poesia)
Perfil da Bahia e outros poemas. 1970. (poesia e
folclore)
Duas lenda. 1971. (poesia)
Alecrim de Tabuleiro. Rio de Janeiro: Max.
1972 (crônica)
O Canto que veio. RJ. 1974. (poesia)
Quando um lírio desabrochava.. 1977. (crônica)
Meu chão azul. Rio de Janeiro: Editora Max. 132 p.
1980 (poesia)
... pelos caminhos da vida de uma
professora primária, s/d, mem
O pensionato - paraíso das moças ...& outros fatos. Rio de Janeiro: Ed. Max. 137 p. 1988. (Crônica de jornais)
Perfil da Bahia. RJ, Guanabara: Ed. Gráfica Mar Ltda. 139
p. 1970.
Beduino do sonho. Rio de Janeiro: Comércio Ind. De papéis, 1992.
Sinfonia de um novo amanhecer. 1990
Dentre outras obras: Vitrais de Sonhos; Velejando; Panorama de Alagoinhas; Em qualquer
Estrada; Minha doce Alagoinhas; Amanhã iluminado; A canção azul do campo
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